O Projeto de Lei 1904, atualmente em discussão no Congresso Nacional, tem suscitado intensos debates sobre os direitos das mulheres no Brasil, especialmente quando se trata da interrupção da gravidez após 22 semanas, equiparando-a ao crime de homicídio. Esse projeto, segundo especialistas, pode impactar de forma desproporcional meninas e mulheres em situações vulneráveis, como vítimas de estupro.
Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, No último ano, o Brasil registrou 74.930 estupros, um recorde histórico, sendo 56.820 desses casos contra vulneráveis. Sendo que, foram realizados 2.687 abortos legais, conforme dados do Ministério da Saúde. Entre esses procedimentos, 140 envolveram meninas até 14 anos, um aumento significativo em relação a 2018, quando foram registrados 60 abortos nessa faixa etária. Para adolescentes de 15 a 19 anos, o número foi de 291, comparado a 199 há cinco anos.
Mulher grávida / Foto: Ilustrativa
Desafios para meninas e mulheres vulneráveis.
A socióloga Jacqueline Pitanguy, coordenadora na Ong Cepia, destaca que a realidade das meninas estupradas no Brasil muitas vezes é marcada pela falta de informação e pelo abuso contínuo. "Há muitas que não percebem que estão grávidas. Nem sabem o que é gravidez", afirma, sublinhando as dificuldades enfrentadas por meninas que frequentemente são violentadas por pessoas próximas, como pais e padrastos.
Jacqueline ressalta que a legislação atual não estabelece um prazo para interrupção da gravidez em casos de estupro, o que pode levar à gestações avançadas em função das desigualdades sociais. "É um marcador de falha do sistema público de saúde em prover serviços de atenção à saúde que sejam acessíveis às mulheres na imensidão desse Brasil", acrescenta.
A vulnerabilidade das neninas nenores de 14 Anos
A enfermeira obstétrica Mariane Marçal, da ONG Criola, alerta que aproximadamente 20 mil meninas menores de 14 anos engravidam anualmente no Brasil, sendo que 74% delas são negras. "Gestações de menores de 14 anos são frutos de estupro. Há uma epidemia de gestação infantil", afirma. Ela destaca que essas meninas frequentemente não compreendem o que ocorreu, aumentando o risco de complicações graves durante a gestação.
Barreiras no acesso ao aborto legal
Para muitas mulheres, mesmo as que têm conhecimento de seus direitos, o acesso ao aborto legal no Brasil é um desafio. "Em geral, uma mulher pobre, muitas vezes desprovida de meios até para esse deslocamento, encontra obstáculos no sistema de saúde e na burocracia judicial", lamenta Jacqueline Pitanguy. Ela menciona a chamada "objeção de consciência" por parte de profissionais de saúde e os sucessivos adiamentos nas consultas como exemplos das barreiras enfrentadas.
Estigmas e consequências sociais
Paula Viana, coordenadora do Grupo Curumim, destaca que apenas 3,6% dos municípios brasileiros oferecem serviços de abortamento legal, o que contribui para a invisibilidade dos casos de violência contra mulheres e meninas. "O estigma do aborto alimenta o medo e a desinformação, afastando as pessoas de seus direitos", explica. Ela menciona que propostas legislativas semelhantes ao PL 1904 perpetuam esses estigmas, dificultando ainda mais o acesso das mulheres ao atendimento adequado e seguro.
Direitos e proteção
Segundo a médica Albertina Duarte, do Programa Saúde do Adolescente de São Paulo, é fundamental que os serviços de saúde estejam preparados para acolher e orientar as vítimas de violência sexual, sem a necessidade de boletim de ocorrência. "O serviço especializado já tem protocolos para lidar com essas situações de forma segura", assegura.